Após sofrer um “trauma” na América Latina, em 2006, a francesa Suez ainda resiste em voltar a ter concessões de saneamento no Brasil. A empresa defende a aprovação do novo marco legal do setor, mas ainda não está claro se somente as novas regras serão suficientes para fazer o grupo voltar a adquirir contratos de operação no país, afirma o presidente da companhia na América Latina, Charles Chami.

A empresa foi um dos primeiros grupos privados a operar serviços de água e esgoto no país, e chegou a firmar três concessões municipais relevantes, nas cidades de Limeira (SP), Manaus (AM) e Campo Grande (MS).

No entanto, em 2006, o governo argentino, então sob o comando de Néstor Kirchner, decidiu romper um contrato de concessão com a Suez e reestatizar a operação de água e esgoto da capital Buenos Aires – sem se dispor a fazer indenizações pelos investimentos não amortizados.

A reação da sede da companhia, na França, foi drástica: o grupo decidiu se desfazer de todas as suas concessões na América Latina – com a exceção do Chile, onde até hoje a empresa opera a concessão de água da região metropolitana de Santiago.

O temor em relação à América Latina persiste até hoje, diz Chami. “A Suez continua avaliando a possibilidade de participar de leilões de concessão no Brasil. Temos analisado editais nos últimos anos, mas este não é o foco.”

A companhia tem sido apontada por alguns analistas de mercado como uma potencial interessada nas privatizações de companhias estaduais de água e esgoto, por sua expertise e fôlego financeiro globalmente.

O executivo, porém, diz que a companhia não deverá participar de eventuais leilões de desestatização dessas companhias. Ele avalia que a aprovação de um novo marco legal para o setor é essencial para que o Brasil volte a dar confiança à sede do grupo.

Uma das principais alterações, segundo Chami, é a definição da Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão regulador federal do saneamento. “No modelo atual, falta segurança jurídica no mercado, a regra precisa estar mais clara”, diz ele.

No cenário atual, porém, a prioridade é continuar atuando indiretamente no mercado, na prestação de serviços às concessionárias – entre elas a Sabesp, em São Paulo, e Compesa, em Pernambuco. Entre os serviços prestados estão a gestão da qualidade da água, redução de perdas no sistema, medição de consumo, entre outros.

A Suez acaba de realizar a aquisição da companhia DH Perfurações, especializada em poços artesianos. Apesar de ser uma compra de menor porte, o executivo considera o segmento estratégico para o grupo, que não tinha expertise nesse ramo. “É o único setor na cadeia da água em que ainda não temos atuação. A compra vinha sendo negociada há um ano e vai complementar nosso portfólio”, afirma Chami.

A empresa calcula que o Brasil tenha 2,5 milhões de poços artesianos, mas que mais de 80% deles sejam ilegais, o que indica um potencial enorme de expansão do mercado, que tem como um de seus principais clientes no país o agronegócio.

O grupo não abre o valor da aquisição, mas diz que, até o fim de 2019, investirá R$ 74 milhões na operação brasileira – o que inclui a aquisição. Desde 2018, foram feitos R$ 260 milhões de investimentos no país.

Com a consolidação da aquisição, a ideia é expandir a prestação do serviço, diz ele. Hoje, a DH atua em São Paulo, mas a Suez deverá levar a operação para outras regiões, como Sul e Nordeste, e, em um segundo momento, para outros países da América Latina – começando pelo Peru e pelo Chile e, em seguida, chegando à Colômbia.